quarta-feira, 20 de junho de 2018

"As pedras do caminho"

Sou uma pedra bruta que o tempo vem lapidando.
Dia a dia, pouco a pouco nos caminhos que vim trilhando.
Bate aqui, encosta lá, assim fui tomando forma.
Passo tempos despercebida, muitos só me vêem quando pisam ou quando sou algo que atrapalha  seu caminho.
Trago recados da vida que o homem não é capaz de ver ou... entender.
Talvez, um dia quando nada mais lhe der alegria, quem sabe até
na mesma solidão em que estive em todos estes longos anos de jornada, seus olhos me enxerguem, e suas mãos resolvam me tocar.
Ai sim, descobrirá que a verdadeira conquista nunca esteve na riqueza que obteve com suas lutas, mas na simplicidade dos dias em que deixou fluir os acontecimentos da vida sem interferir neles.
Entenderá que o criador sempre lhe ofereceu o que era realmente necessário para uma vida plena.
Eu, pedra bruta, simples e sem valor aos olhos humanos, rejeitada e solitária, objeto inanimado, sou fria e sem sentimentos, mas estava nos planos do criador para trazer um recado a vocês.
Eu, pedra bruta, desprovida de razão ou emoção, fui colocada aqui para mostrar a vocês animais racionais, que tudo na vida é perfeito, até mesmo aquilo que ora julga obstáculo.
Nem sempre a "pedra no caminho" é um problema, muitas vezes é a solução para suas indagações.
Você tem sangue nas veias, calor em seu corpo é hora de agradecer por ser como é, a imagem e semelhança de Deus, eu sou só uma pedra bruta!

Texto e imagem Sônia Regina

sábado, 2 de junho de 2018

Algum lugar no tempo

Jogaram-me, então, num aposento.
Grandes janelas protegidas por grades de ferro impediam qualquer fuga.
Observei os guardas recolherem papéis e penas em cima da escrivaninha e saírem rapidamente fechando a grande e pesada porta.
Eu estava descalça, os cabelos soltos e emaranhados, usava apenas uma túnica de banho.
Sem saber o que se passava, olhei ao redor, apenas uma pequena pilha de livros descansavam esquecidos no canto que ficava ao lado da enorme cama coberta por um fino docel.
A noite, o silêncio era quebrado apenas pelos passos das sentinelas a ir e vir, como que a me lembrar em todos os segundos que não teria como sair de lá se não por um milagre.
Apenas os livros me foram  companhia naqueles longos dias nos tempos em que estive ali.
Certa manhã, os raios de sol invadiram o quarto, como num beijo carinhoso despertou-me.
Lembro-me que esbocei um sorriso antes de abrir os olhos, e o mesmo se esvaiu, como a lua por trás das nuvens em noites de tempestade.
Mais um dia estava começando, eu ouvia sussurros  de impossível definição ao longe.
Não podia me permitir entristecer, embora as lágrimas insistissem em percorrer meu rosto todos os dias.
Buscava na luz do sol que me aquecia, a força que precisava para seguir em frente, sabia que eu precisava manter viva a fé e a esperança de que eu sairia daquele lugar.
Não sei quantos dias estive presa no frio aposento, até o dia em que a porta se abriu.
Vi a minha frente uma senhora, trazia nas mãos uma bandeja com alimentos que me ofereciam todos os dias antes de meu despertar, e recolhiam após meu adormecer,  nunca via ninguém trazer ou levar a bandeja.
A senhora com traços doces e corpo rechonchudo deu-me um sinal com os olhos, entendi que a hora havia chegado.
Num impulso desenfreado corri  ultrapassando a porta que por algum motivo estava livre das sentinelas.
Numa fuga frenética em que não ousei olhar para trás, segui correndo pelos longos e estreitos corredores daquele enorme lugar.
Finalmente alcancei o lado externo, com o peito ardendo por dentro de tanto correr, apoiei-me na primeira pessoa que vi a minha frente e desfaleci.
Ainda atordoada, pude atentar para os comentários dos que estavam ao meu redor, fui reconhecida pelos que me viam e lamentavam incrédulos o estado em que me encontrava. Neste dia descobriram que eu estava viva...

Por Sônia Regina